domingo, 19 de junho de 2016

Capa e Prefácio do livro Corpo-Mente



Prefácio

O homem é produto da evolução dos primeiros seres unicelulares existentes
na terra há 3,5 milhões de anos. Permanece um mistério saber como, apesar
de suas fragilidades, sobreviveram e evoluíram, enfrentando adversidades do
meio ambiente, até o homem atual. Não se pode dizer que havia uma mente,
"uma cabeça para pensar".

Essa só ocorreu há 50.000 anos, um enorme espaço de tempo, com o
desenvolvimento das estruturas cerebrais corticais. Dizendo de outro modo,
no início era só ser biológico. A mente surge muito depois. Neste momento,
funcionando como uma unidade, corpo-mente passaram a se influenciar de
forma recíproca e interminável.

Segundo Freud, a ontogênese repete a filogênese. Processa-se por etapas.
De fato, o recém-nascido só vai adquirir a capacidade para pensar depois de
um tempo suficiente de maturação do sistema nervoso central.
A mente desenvolvida sobre seu substrato anatômico, vai permiti-lo distinguir
entre ele e o outro, o interno do externo, a realidade da fantasia.
Neste livro sugiro que, antes dessa mente, há uma vida fetal fundada na
hereditariedade e na filogênese, cujos registros de respostas e
comportamentos são feitos pela memória implícita, de comportamento ou de
longo prazo, com sede na amídala cerebral. Estão voltados para a
sobrevivência e a propagação da espécie.

Há duas respostas biológicas fetais filogenéticas e, portanto, inatas e reflexas,
ativadas pelo trauma, que persistem após o nascimento em busca da
preservação da espécie. A primeira, é o estado de suspensão animada, na
qual a energia celular para a realização dos seus processos vitais, é propiciada
pelo sulfeto de hidrogênio (H2S), como observado no início da vida na terra,
quando o oxigênio era escasso. Forma a base do processo de hibernação dos
com animais e plantas em situações adversas de vida.

A outra resposta visa aliviar o incômodo do trauma no período fetal. É
constituída pela produção de auto experiências sensoriais (ES) para o
apaziguamento do feto, utilizando elementos do próprio corpo, como dedo,
língua, saliva e outros sobre suas superfícies sensoriais, mucosas e pele.
Esses conhecimentos me levaram a considerar a existência de um grupo de
entidades clínicas, que denomino de espectro autista, com etiologia
relacionada a um evento traumático (ET), seguido de noção de
descontinuidade física e mais tarde de lucidez. Desenvolvi um entendimento
da psicopatologia, da sintomatologia e do tratamento das mesmas. Incluo
entre elas a psicose, o autismo, a anorexia nervosa, o sintoma psicossomático,
o transtorno do estresse pós-traumático e em outro trabalho a ser editado, as
perversões sexuais e a adição às drogas e ao álcool.

Sebastião Abrão Salim

Sumário

1. Fundamentos
2. Psicose
3. Transtorno de estresse pós-traumático
4. A metamorfose: um ensaio literário-psicanalítico
5. O autismo
6. O sintoma psicossomático
7. Anorexia nervosa
8. Conclusão final
9. Referências bibliográficas

Desânimo

Desânimo

Derrapei na esperança.
Alguém ao lado assistiu... desinteressado.

Reerguer... como?

A alma não ajuda. O corpo está mole.
A desesperança afoga.
O abismo está próximo.

Como recuperar o desapontamento vivido,
depois de seguidas tempestades de areia.
Tenho os poros entupidos.
A oxigenação resta escassa.

Ah, ia esquecendo.
Sobra-me a cognição.
Faço a conta.  
Na caderneta de crédito e de débito,
Ainda, tenho moedas para gastar.

                            26-05-2016

Começar do nada

Começar do nada

Terminei o último gole do vinho fenício.
Sobre suas ruinas, se fez uma civilização.

E, agora, o que temos?

A esperança de um homem mais justo,
menos errante, menos primitivo.

Mas não esqueçamos: o homem pode repetir sua história
e tudo começar do nada.


                                   26-05-206

Amor

Amor

Estranho, sim... não ser mais eu.
Pulsa leve minha essência, o oxigênio é pouco.
Nem longe irei, irei até onde respirar.

O fim é o mesmo.
O remédio?
O amor.

Por amor, prometi estar na festa de Baco.
Incensei-me com perfumes.
Tinha a máscara e o vinho soberbo.
Embebedei-me.
A harpa tilintava os acordes da paixão.
Restava-me, sem sentido, sem juízo.
Metamorfoseei-me.

Adormeci fortalecido.
Andei sobre montanhas geladas, e mares voluptuosos.
Acordei na praia.

Senti-me, existindo.

Tinha ao lado um amor.


                                 26-05-2016

Sobrevivente

Sobrevivente

Um homem... sua sombra.
O que existe de real?
Será mera representação?
Traem-nos nossos olhos...
A visão vai além da realidade.

Lamento desapontar o homem.

Jamais conseguiremos nos apresentar como somos.
A negação e a idealização vivem conosco desde o berço.

Que caminho longo!

Ao percorrê-lo mais nos mascaramos do que desnudamos.
Menos nos conhecemos.

Pobre homem... deixou de ser.
Continuará sendo uma amostra do que poderia ter sido.

Foram-se amores a partir do eu.
Ficaram os amores de conveniência.

A música surgida do primeiro ensaio,
não é mais a mesma do primeiro êxito.

Pobre Beethoven, pobre Tchaikovsky.
Eram si mesmos antes da fama.

O que fazer diante deste destino infausto,
ceifador do existir?

Acorda.

Mas não esqueça de se perdoar.
Tudo foi feito para ser reconhecido.
No paradoxo, se perdeu.
Deus ofereceu-lhe outra vida.
Mas, talvez, a conciliação não tenha sido o melhor caminho.
Um homem... sua sombra.

26-05-2016

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Etiologia do autismo: uma hipótese traumática




                            
                                             * Sebastião Abrão Salim

 
 * Didata da Sociedade Psicanalítica de Minas Gerais
* Didata da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro
* Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria
*Professor Adjunto Aposentado do Serviço de Saúde Mental da FMUFMG


Endereço
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Telefone 27-99522-0909/ 27-3072-5136
Tipo do artigo: artigo original
4407 palavras

Resumo
A etiologia do autismo permanece desconhecida. Neste trabalho, sugiro sua conexão com um evento traumático ocorrido no período pré-natal, perinatal ou inicial pós-natal e sentido pelo feto ou recém nascido com sensível sensação de morte.
Este evento ativa duas respostas biológicas filogenéticas e reflexas. A  primeira objetiva preservar a vida por meio da economia do consumo de oxigênio pela célula para desempenhar suas funções vitais com auxílio do sulfeto de hidrogênio existente de forma residual no organismo humano.
A segunda resposta objetiva apaziguar o feto ou o recém-nascido da ansiedade de morte devido a este evento traumático. Consiste na geração de sensações corporais produzidas pelos elementos do próprio corpo em contato com suas superfícies sensoriais.
A sede de ambas é a amígdala cerebral e estão ligadas a predisposição para o desenvolvimento do autismo.
Esta hipótese é resultado de meus estudos interdisciplinares entre psicanálise, psiquiatria, psicologia experimental, neurobiologia e minha prática clínica.
Conforme material clínico apresentado, julgo justificada a continuação desses estudos.


Palavras-chave: etiologia do autismo; trauma; personalidade autista; sensação corporal.
Abstract
          The autism etiology remains unknown. In this paper, I suggest its connection with a traumatic event occurred during prenatal, perinatal or initial postnatal period and felt by the victim with a vivid sense of death.
           This event triggers two innate and biological response reflex. The first aim to preserve life through the economy of cell’s oxygen to perform its vital functions with the assistance of hydrogen sulfite that exists in our organism in a latent state.
The second response has the objective to appease the fetus or the newborn death’s anxiety, promoted by this traumatic event. It consists in the generation of physical sensations produced by the body's own elements in touch with its sensory surfaces.
Both are existing responses remaining in cerebral amygdala and answers for the predisposition necessary for autism development.
           This hypothesis results of my interdisciplinary studies between psychoanalysis, psychiatry, experimental psychology and neurobiology.
As clinical material presented, I consider justified the continuation of these studies.





Keywords: autism etiology; trauma; autistic personality; corporal sensation.
Introdução
A etiologia do autismo tem sido objeto de estudo de varias ciências a fim. Até o momento não foi identificado um marcador biológico ou um fator psicogênico para a mesma.
Neste trabalho proponho uma hipótese original vinculada a um evento traumático ocorrido no período pré-natal, perinatal ou inicial pós-natal e sentido pela vítima com sensível sensação de morte.
Este evento desencadeia duas respostas biológicas filogenéticas e reflexas. 
A primeira objectiva preservar a vida. Consiste1 na economia do consumo de oxigênio pela célula para realizar suas funções vitais com auxílio do sulfeto de hidrogênio (H2S) existente em estado latente em nosso corpo. Segundo os autores esse mecanismo provavelmente é responsável pelo estado de hibernação de animais e plantas em condições adversas de vida. São experiências bem sucedisdas, voltadas para prolongar a vida de órgãos humanos para transplantes.
A segunda resposta tem o objetivo de apaziguar o feto ou o recém nascido da angústia de morte decorrente do evento traumático. Consiste na geração de sensações físicas produzidas por elementos do próprio corpo em contato com suas superfícies sensoriais, como tocar os lábios ou a pele com os dedos2. Observamos pessoas de todas as idades apresentando maneirismos como roer as unhas com os dentes até entidades clínicas como eczemas, enurese noturna, sudorese intensa e outras.
Essas respostas estão armazenadas de modo filogenético na amígdala cerebral3. Em caso de reincidência traumática em qualquer período da vida, há uma reativação dessas respostas podendo haver uma perpetuação das mesmas ao longo da vida do indíviduo.
Considero-as os elementos básicos da predisposição necessária para o desenvolvimento da personalidade autista4. Considero essa, fundamento psicopatológico de um amplo espectro de doenças, como autismo, psicoses, anorexia nervosa e bulímia, transtorno de estresse pos-traumático, fibromialgias, perversões sexuais, adição ao ácool ou drogas e outras. 
Esta hipótese foi desenvolvida por meio de meus estudos interdisciplinares entre psicanálise, psiquiatria, psicologia experimental, neurobiologia e minha prática clínica.
Destaco a importante diferença entre o conceito de trauma5 biológico relacionado à sobrevivência exposto aqui e o conceito de Freud6 do trauma, relacionado com a incapacidade do ego para racionalizar uma demanda sexual, responsável pelas neuroses espontâneas.
Incluo neste trabalho pacientes neuróticos com barreiras autistas,  conforme material clínico apresentado.
Os meus bons resultados clínicos com estes pacientes justificam a continuação desses estudos.

Contribuições da psicanálise
Tustin2 dedicou a maior parte de sua vida ao estudo do autismo e apresentou contribuições de destaque. No entanto, psicanalistas, psiquiatras e psicólogos, não mencionam apropriadamente seu trabalho, apesar de sua importância clínica.
Ela nos permite entender a sintomatologia de autismo ao formular o conceito de "formas autistas" e "objetos autistas", responsável pelo desenvolvimento de "barreiras autistas". Descreveu-os em seu livro "Barreiras autistas em pacientes neuróticos".
Para ela, as primeiras são sensações corporais geradas por elementos macios do corpo, como fezes aquosas, urina, saliva, muco, comida na boca e até mesmo vômitos e os segundos são elementos corporais de natureza dura como dedos, língua, dentes e outros.
Esses objetos e formas podem incluir elementos do mundo exterior, tais como sons, letras, números, cores e outros. A precisão e o apego a esses elementos fazem de seus portadores gênios da música, da física, da matemática, da literatura, da pintura e outros.
Mais atualmente7, sistematizou os sintomas autistas em três áreas: "competências de sociabilidade, linguagem e motor. Inclui a área da alteridade e do afeto".
O paciente autista desde o nascimento parece diferente dos outros bebês, parece não precisar de sua mãe, raramente chora (um bebê muito comportado), torna-se rígido quando é pego no colo, às vezes muito reativo aos elementos e irritável. Cresce e vive em um mundo quase sem vida, congelado e insensível, e sua característica central é uma organização idiossincrática, que têm notável dotação para atividades que abraçam, mas apresentam considerável falência na vida pessoal amorosa.
A ultrassonografia fetal8 confirma as observações de Tustin2, já na vida intrauterina. Há uma atividade do feto que coça com os dedos a orelha, a pele e os órgãos sexuais, que certamente não estão a serviço do princípio do prazer e sim do auto apaziguamento.
Outro psicanalista9,10 acrescentou estudos importantes , como o conceito de posição autista-contígua e seus estudos sobre isolamento pessoal.
Ele descreve uma psicopatologia idiossincrática, derivada do período sensorial autista, por ser o primeiro, quando não existe um ego capaz de diferenciar o ser do não ser.
É anterior a posição esquizo-paranoide e depressiva11, as quais estão associadas com a posição autista-contígua de forma dialetica.
Ele considera que as sensações físicas dão ao feto ou recém-nascido a noção de estar vivo, de quem é e onde está. Nesse período, há um universo sem palavras, constituido por sensações físicas, que talvez façam parte do ego corporal, precursor do ego psíquico12
Outra psicanalista13 se insere entre os psicanalistas como uma estudiosa da existência de uma matriz primitiva do desenvolvimento psíquico.
Contrariando uma grande corrente psicanalítica atual, ela distingue entre os elementos beta que se transformaram em elementos alfa14. Conclui: “Faço a conjectura de que existe uma diferença de qualidade entre os fenômenos autísticos e os elementos beta”. 
Meus estudos levaram-me a concordar com essa postulação. Há de se distinguir um fio genético normal, que disciplina o desenvolvimento psíquico e cognitivo do indivíduo, obedecendo a embriogênese e a morfogênese. Tudo tende a correr bem, incluindo as transformações necessárias. Vai haver o desenvolvimento da motricidade, do pensamento, do juízo, da orientação no tempo e no espaço, da linguagem e outros, cada um a seu tempo e sem distúrbio. Caso haja acidentes de percurso, e aqui estou considerando o trauma fetal ou do parto ou perinatal, como um trauma físico, infeccioso, tóxico ou de outra natureza, haverá ativação das respostas citadas.
Esta distinção é importante no trabalho clínico. Os fenômenos autísticos não são resultado de falha de representação psíquica. São coisas em si ou dito de outra forma, são apenas concomitantes biológicos.  
Não posso deixar de mencionar que a psicanálise, além das contribuições mencionadas, é importante nesta área do autismo por outras duas razões.
A primeira porque os pacientes mencionados são mal interpretados ou mesmo estigmatizados por terceiros e acabam internalizando as críticas e censuras recebidas. Isto acarreta uma carga a mais para este paciente que já está debilitado, além de interferir na sua autoestima.  Esta ajuda consegue-se pelo método interpretativo clássico das relações interpessoais e intrapessoais.
A segunda decorre do estabelecimento do setting analítico, que pela sua constância de horário, de duração da sessão, do mesmo cumprimento de mão ao receber o paciente e sua fala e seu olhar, comunica uma empatia, elemento básico no tratamento desses pacientes pela confiança que cria na relação paciente terapeuta e no restabelecimento dos circuitos neurais entre hipotálamo e córtex cerebral15.       


Contribuições da neurobiologia
Como mencionado as respostas biológicas para eventos traumáticos com noção de morte, estão armazenadas na amígdala cerebral3 e constituem a memória implícita ou de longa duração ou de trabalho. Ela se comporta sem a interferência da consciência cognitiva, da mesma forma que o inconsciente freudiano. Por exemplo, dorma inconsciente, evitamos caminhos que podem nos levar de volta ao local da ocorrência ou a sua lembrança. Está presente desde o início da embriogênese e é responsável pelos recursos biológicos mencionados do feto ou do recem nascido.
Os sintomas gerados por essa matriz inicial tem uma natureza sensorial e não contêm material reprimido psicológico, portanto não têm representação psíquica e devemos nos abster de interpretações símbolicas. Para o trabalho analítico clínico, é importante destacar o diagnóstico diferencial entre o paciente autista e o paciente neurótico com barreiras autistas do paciente neurótico para evitar procedimentos iatrogênicos.
Estas considerações demandam atualização das teorias clássicas da psicopatologia neurótica, esquizoparanoide e depressiva.
Na verdade, considero importante a necessidade de desenvolver a nova técnica para tratar esses pacientes.

Outras contribuições
Experiências recentes1 conseguiram prolongar a vida de órgãos humanos para transplantes, usando uma solução de sulfeto de hidrogênio (H2S). Fundamentaram este recurso com o fato comprovado de que o H2S foi responsável pelo fornecimento de energia para a célula de organismos primitivos no começo da vida na terra, quando a presença de oxigênio era escassa. Através dos tempos, o oxigênio tornou-se abundante e passou a ser fonte prioritária para o metabolismo celular. Contudo, o H2S manteve-se em nosso corpo em estado residual. Em caso de ameaça à vida, esse mecanismo pode tornar-se ativo, promovendo economia de oxigênio. Estes autores indicam que o mesmo processo responde pelo estado de hibernação em animais e plantas.
É importante ressaltar que esse mecanismo prolonga a vida, mas deixa seu portador destituído parcialmente de suas funções cognitivas. Passa a ser gerenciado mais pelas estruturas cerebrais do sistema nervoso límbico ou reptilíneo, fato que explica as ações exageradamente viscerais e violentas de autistas quando ameaçados. Nos casos graves, podemos dizer que ‘viram bichos’ tamanha a selvageria.
Outra contribuição importante foi dada pelas experiências com macacos e ratos16,17. Ressaltam a importância psicopatológica do trauma precoce e seus desdobramentos. Esses autores observaram que esses animais, se separados de suas matrizes logo após o nascimento e recolocados após seis meses junto às mesmas, reagiam com respostas de isolamento e desvitalização. Por outro lado, quando separados após dez dias do nascimento se socializavam com facilidade ao retornar ao convívio com as matrizes, demonstrando que nesse período dos dez primeiros dias, após o nascimento, acontecem mudanças significativas no sistema nervoso central e autônomo desses animais, que são responsáveis pelas respostas irreversíveis descritas.

Material clínico
Caso A
Maria procurou-me preocupada com seu filho de 15 anos. Ele estava recebendo tratamento psiquiárico e se encontrava muito sedado. Tinha as mãos envoltas com ataduras por causa de cortes profundos ao jogar-se contra os vidros da janela.
Este fato foi decorrente da insistencia de seu cuidador para andar rápido, a fim de acompanhar os outros pacientes da casa para a caminhada diária dos pacientes da mesma. De imediato, se virou contra ele, o agrediu fisicamente e então atirou-se contra a janela. Ele fazia e faz uso de vários tipos de medicação, como acontece hoje em dia.
A mãe relata que até os três anos de idade, seu pai seguia as recomendações do médico assistente para aplicar-lhe corretivos físicos devido sua insubordinação, até que se convenceu de que o filho estava doente. Era julgado surdo devido à insuficiente falta de respostas para os comandos de terceiros.
Havia se tratado com inúmeros psiquiatras e psicólogos com piora gradativa de sua condição pessoal.  Perguntado sobre o parto, Maria disse que foi traumático para ela e para o filho. Disse que seu filho tem vários maneirismos como morder as unhas com os dentes, urinar na cama todas as noites, se alimentar pouco por falta de fome e baixa imunidade.
Eu disse-lhe que era dificil tratá-lo, neste momento, pela psicoterapia em meu consultório, devido sua violência.
Trata-se de um caso típico de autismo com prognóstico grave.
 Caso B
S é uma menina de seis anos, personagem do filme de "The house of cards". O filme começa mostrando o caule de uma árvore antiga. Logo, surgem vários répteis andando em volta. Um começo indicativo do que venho sustentando, isto é, o autismo tem raizes antigas.
Ela testemunhou com seu irmão e a mãe, a morte do pai ao cair de uma alta ruína de pedras, quando fazia estudos antropológicos em cidade mexicana.
Ao voltar para casa nos Estados Unidos, ela não se lembrou da mesma. Quando começou as aulas, ficava isolada dos colegas. No primeiro dia subiu em uma árvore, exibindo grande habilidade para se equilibrar. 
O psiquiatra da escola foi notificado do seu comportamento. Fez o diagnostico de autismo e dirigiu-se à sua casa para conversar com a mãe. Ao chegar, viu que S estava no telhado da casa, próximo a calha, onde caíra a bola atirada por seu irmão e que todos temiam por ela. A mãe preocupada tentou aproximar-se pela janela do sótão e quando S a viu, começou a gritar de modo desesperado e contínuo. Todos ficaram com medo, porque não compreendiam o motivo de seus gritos e temiam que ela caísse. O  psiquiatra pediu aos presentes para informar se percebiam algo diferente no ambiente e seu irmão observou, que  a mãe estava usando o boné com a aba para trás. Ao repô-lo na posição correcta, indicada pelo psiquiatra, S parou de gritar.
Nessa cena, o cineasta exibi o olhar fixo dela na costura dos gomos da bola. Descrevi15 vários procedimentos sintomáticos de pessoas com o fim de apaziguamento da angústia da morte ou de loucura, como falar ou olhar continuamente, a manipulação obsessiva de celular e outros.
Em outra cena, seu irmão entra no quarto dela, onde havia se isolado. Inadvertidamente, ele bateu em um cubo colocado entre outros dois existentes sobre uma bancada. Esse cai e ela começa a gritar, como havia feito antes na calha do telhado. Seu irmão angustiado, sem saber como a serenar, coloca de forma intuitiva, o cubo em pé na posição anterior e S se silencia.
Depois S é filmada criando uma pirâmide com as cartas de um baralho, que dá o nome ao filme, realçando mais uma vez sua habilidade para o equilíbrio.
Eu explico suas reações e a destresa para o equilíbrio, como demonstração da existência de um estado psicológico frágil, tomado pelo medo da loucura e da morte. Manter tudo organizado é importante para dissipar o medo da morte iminente, acentuado pela morte do pai por uma queda. Essa particularidade de S, presente no paciente autista, alerta para a necessidade da delicadeza e do ajuste necessário do terapeuta para formular a interpretação, certificando-se de que ela é empatica com o paciente.
Prosseguindo, o psiquiatra atribui ao seu autismo uma natureza neurológica. Inicia uma terapia comportamental com S e fica impaciente na ausência de resposta dela aos seus comandos. Por sua vez, ela fica brava e agressiva com ele. A mãe discorda dele. Entende que está assim pelo trauma da perda do pai e necessita da empatia de terceiros.
Com sua habilidade de projetista inicia a construção do projeto de uma espiral com placas de metal, semelhante ao de S com as cartas de baralho. Quando finalizado, S responde com com empatia e saí do estado de desconexão15.
Eu entendo essa espiral ascendente como a representação materializada do desejo de alcançar o pai no céu e seu contínuo esforço para deixar a posição autista, onde ela se refugiou depois de sua morte.
Pode-se perguntar porque S desenvolveu o quadro autista e seu irmão não. A resposta está certamente no fato de que S apresentava predisposição para se tornar autista. Também pode-se questionar se seu quadro clínico não é uma reação dissociativa. Discordo porque seus traços são bem autísticos e de longa duração.

Caso C
R estava com 30 anos de idade. Relatou que ouvia vozes que o ameaçavam ou o subestimavam. Achava que era a voz de um espírito, ordenado pelo pai da ex-noiva, como retaliação pelo término do noivado com sua filha. Desde então, trancou-se no seu quarto.
Fiz o diagnóstico de esquizofrenia paranóide e logo depois, recomendei seu afastamento do trabalho e depois sua aposentadoria.
Iniciamos o tratamento psicoterápico com duas sessões semanais e uso de olanzapina e bromazepan.
Após dois anos de tratamento, ele aceitou minha interpretação de que as vozes eram provenientes de seu interior, fato que mudou o curso da psicoterapia. Passou a deixar o quarto para fazer refeições com os pais na sala do apartamento.
Ainda hoje, ouve expressões ou palavras que surgem inesperadamente, com conteúdo persecutório e de humilhação, como no principio, mas de forma mais espaçada e atenuada em intensidade. Repele às mesmas, dizendo que não tem relação com sua pessoa, pois se julga correto e bom.
Ninguém tem acesso ao seu quarto. Ele faz a limpeza do mesmo com material próprio (vassoura, rodo, e outros), abstendo-se de usar material usado por sua mãe para limpeza do apartamento. O mesmo está cheio de objetos que traz da rua e está com pouco espaço para caminhar no seu interior.
Esse quarto funciona como sua segunda pele19,20, relacionada com a sensação de que tudo que juntou de cognição pode vazar.
R Nunca perde as sessões comigo. Vem dirigindo seu carro e estaciona-o sempre do mesmo lado da rua, forçando-o alguns dias a dar voltas no quarteirão. Senti-me incomodado com essa dificuldade, responsável por alguns atrasos na hora do início da sessão. Uma vez sugeri que colocasse o carro no estacionamento ao lado do meu consultório. Ele ficou com raiva de mim, indicando que não devia interferir nesta questão. Da mesma forma, se o elevador não está vazio, ele não entra. R somente não segue esse principio, quando percebe que pode atrasar-se para a sessão. O mesmo nã acontece com o fato de estacionar o carro. Gaba-se do fato de dirigir há 14 anos nunca ter sido multado, tamanha sua obediência as leis do trânsito.
Incumbe-se de fazer sua gestão pessoal de receita e despesas. Faz o pagamento das sessões seguindo suas anotações, sempre sem erro.
No início do tratamento, era difícil ajudá-lo devido sua lentidão. Sua fala causava-me tédio e era enigmática, com conteúdo segmentado e confuso, difícil de entender. Era repetitivo e tinha modulação lenta, o que causava-me sonolência, às vezes difícil de disfarçar.
Com auxílio dos meus estudos, pude entendê-lo e respeita-lo. Passei a compreender seus medos e sua insuficiência. Ele teve surpreendente recuperação clínica com minha empatia. Observei, que quando eu interferia em seu discurso, usando um termo sem manter o mesmo sentido, R reagia com desagrado. Aprendi com ele, que era melhor deixá-lo sem interferir em sua tentativa de compreender as vozes, agora atenuadas. Cada palavra, ainda hoje, deve ter significado preciso. Portanto, eu opto por ficar sem entender o seu discurso, sem me sentir exausto, insuficiente e com sono, e isso me deixa ficar mais integrado durante a sessão.
Bastante significativo é a forma positiva, como hoje, ele reagi às vozes, que o mandam afastar-se de mim e do tratamento. Eu relaciono com sua melhora e o sentimento de confiança fundado na regularidade do setting terapêutico, constituido por meio da minha presença, cumprimento de mão, fala e olhar. Observo a tempo, que jamais esquece uma fala minha.
Em algumas sessões, relata a presença de cheiros e sons dentro e fora do escritório, um fato que eu entendo como sensações, ativadas para sentir-se mais coeso.
Este caso mostra bem a dialética entre a posição autista e a esquizoparanóide. No seu tratamento, o considero esquizoparanóide em um momento e autista em outro.

Caso D
L tinha 14 anos quando foi internada, porque agrediu a mãe, fugiu de casa, colocou fogo em objetos domésticos, cortou-se com objetos cortantes, movia o corpo para frente e para trás, batia a cabeça contra a parede e tentou auto extermínio com drogas psicotrópicas. Essas ações violentas alternavam com períodos de apatia, sonolência e sintomas de anorexia nervosa.
Sua mãe pediu para atendê-la. Fui ao hospital e descobri que L não tinha comprometimento cognitivo psicótico, era magra, fazia movimentos rítmicos contínuos para enrolar o cabelo com os dedos e movia o corpo e as pernas de forma contínua.
Informou-me que a mãe a maltratava desde a infância, quando jurou para si mesma, que vingaria os abusos físicos recebidos.
Encontrei na sua papeleta médica o diagnóstico de esquizofrenia ou transtorno bipolar. Os psiquiatras não conseguiam determinar o diagnóstico e a aprescrição de drogas era sempre modificada. Após alguns encontros, estabeleci uma relação de confiança básica de L comigo, ela melhorou e foi para casa.
As primeiras sessões em meu consultório eram difíceis, como eu esperava. Ela insistia na presença da mãe dentro do consultório para me convencer que essa não a entendia. Com fina sensibilidade, forçava a mãe a dizer na minha frente, como a mesma estava se sentindo.  Nessas ocasiões, diante de qualquer tropeço, L me dizia que sua mãe nunca a tinha entendido ou chorado por ela.
Em uma sessão sozinha comigo, L ficou violenta comigo, porque percebeu que eu não estava prestando atenção no que falava. Ela tentou me agarrar pelo pescoço. Eu a contive e disse-lhe que na verdade tinha distanciado dela, como observou. Esta confissão a acalmou, dando-lhe  lucidez. Depois disso, tornou-se mais dócil comigo, mas ficou deitada no divã, com as almofadas em seus braços, contato que gerava uma forma autista de apaziguamento e assim permaneceu toda a sessão.
Comecei a acreditar mais que sua psicopatologia era autista.
De outra vez, ela foi até o banheiro do consultório e fechou a porta. Anteriormente, eu ficaria preocupado com sua estadia lá. Agora entendia como um desejo de estar sozinha, provavelmente causada por um olhar ou fala minha assintonica com ela. Em uma dessas ocasiões, ela disse de um desejo irresistível de ficar na cama o dia todo e descreveu sonhos em que não tinha força para mover os braços e pernas. Esses eram indicativos de sua tendência à imobilidade autista.
Em sessão posterior, ela começou a sentir dor abdominal, enquanto no divã, que foi acentuando e ela desmaiou. Esse fato acontecia fora do consultório com freqüência e a família entendia como atuações para impressionar. Entendi esses desmaios como um apagão15. Essa compreensão ajudou-me a manter-me quieto, calado, segurando suas mãos e dando-lhe tempo para se recuperar.
Certo dia, L fez o relato de enurese noturna e sudorese intensa, elementos corporais de natureza macia, como produtores de sensações na pele, tais como as almofadas no divã. Mencionou,ainda, a existencia de alucinações auditivas nas quais as pessoas iam atrás dela. Eu interpretei para ela, que seu estado de imobilidade e desamparo, levavam-na a querer ser encontrada.
Depois de quatro meses, L começou a mostrar sinais de estabilidade e confiança em mim e na sua capacidade de compreender. Ela passou a mostrar cultura brilhante para sua idade cronológica. Ela sabia mitologia egípcia, mitologia grega e tinha conhecimentos da língua inglesa.
Dois anos mais tarde, ela foi capaz de retornar à vida social e aos estudos.
Considero-a uma paciente neurótica com barreiras autistas e eventuais surtos psicóticos.

Conclusão
Na natureza tudo tende a ir bem, incluindo as alterações necessárias, como desenvolvimento de habilidades motoras, pensamento, julgamento, orientação no tempo e espaço, linguagem e outros, cada um em seu próprio tempo e sem perturbação, dentro de uma programação filogenética.
Se ocorrem eventos traumáticos infecciosos, tóxicos, medicamentosos e outros no período fetal, perinatal ou posnatal, haverá ativação de respostas biológicas filognéticas para preservar a vida e promover o auto apaziguamento.
Essas respostas, paradoxalmente, preservam a vida, mas ocasionam um desenvolvimento biológico lento, como observação de alguns bebês que já nascem com traços autistas21. São mais lentos, dormem mais, apresentam dificuldades para pegar o mamilo do peito da mãe e são mais sensíveis a estímulos externos, como claridade, sons e outros.
Sintomas autistas são poucos identificados no recém-nascido por pais e especialistas. Tal desconhecimento promove dificuldades para seus cuidadores, geralmente as mães, que termina em fracasso em realizar os processos de maturação22. Esse fato é desastroso para esses bebês, porque o cuidador externo é fundamental para tornar possível uma reorganização dos circuitos neurais15, como mencionado.
Espero ter fornecido elementos bastantes para sugerir que a hipotese traumatica para  a etiologia do autismo deva ser objeto de estudo.
Como mostrado, associa-se ao autismo uma psicopatologia para ser tratada pela psicoterapia psicanalítica com trabalho interpretativo adequado.
Já as manifestações autisticas, por não portarem elementos reprimidos, requerem empatia e um setting constante15.  
É muito importante que o terapeuta tem uma mente durante todo o processo terapêutico que o paciente autista sente-se na beira de um precípicio entre a vida e a morte e entre a loucura e a normalidade. Esta é a razão de respeitar seus maneirismos e idiossincrasias.
Há relatos23 de seus pequenos pacientes de sonhos com água, os animais reptilianos, todos os elementos primitivos de nossos filogenese relacionados com o início da vida na terra, demonstrando as raízes primitivas do autismo.
Considero estes estudos inacabados, havendo uma discussão continua e interdisciplinar entre os psiquiatras, psicanalistas e neurobiologos a fim de compreender os complexos sintomas autistas e para tratar esses pacientes.






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