A saga de um ideal: a história da Sociedade Psicanalítica de Minas Gerais
*Sebastião Abrão Salim
Dedicatória
Dedico este trabalho ao Dr. José Pedro Salomão, devido à sua importância
pessoal para mim e, indiretamente, para a constituição da Sociedade
Psicanalítica de Minas Gerais.
*Fundador e Membro Honorário da
Sociedade Psicanalítica de Minas Gerais
*Psicanalista Didata da Sociedade Psicanalítica de Minas Gerais
Resumo
A maioria das instituições
psicanalíticas, ligadas à Associação Internacional de Psicanálise, foram obras
de pioneiros, aos quais se juntaram outros para escrever histórias ímpares. Com
a Sociedade Psicanalítica de Minas Gerais não foi diferente.
Embora Belo Horizonte, a nova capital de Minas Gerais,
fundada no final de século 19, estivesse destinada a tornar-se rica em todas as
áreas do conhecimento humano, devido à herança de audazes idealistas e
intelectuais mineiros, nossa sociedade só foi oficializada em 2015, após 22
anos de incessante trabalho.
Desde 1963, quando me formei pela Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais até 1993, trabalhei de forma
incessante, despojada e isolada, para a oficialização do Núcleo Psicanalítico de
Belo Horizonte, instituição ligada a Associação Internacional de Psicanálise.
Em setembro de 2008, 15 anos depois, o Núcleo
Psicanalítico de Belo Horizonte foi reconhecido pela Associação Internacional
de Psicanálise, como Grupo de Estudos Psicanalíticos de Minas Gerais e em julho
de 2015, 7 anos depois, reconhecida como Sociedade Psicanalítica Provisória de
Minas Gerais, podendo agora funcionar de forma mais autônoma na formação de
psicanalistas mineiros.
Neste trabalho, descrevo passo a passo as pessoas e
os fatos importantes neste processo ao longo deste caminho percorrido.
Histórico
As instituições psicanalíticas
ligadas à Associação Internacional de Psicanálise (International
Psychoanalytical Association – IPA)
têm histórias singulares, porém possuem um elemento comum: a
oficialização de todas deve-se ao empenho de algum pioneiro, ao qual vêm se
juntar outros.
A história da Sociedade Psicanalítica de Minas
Gerais não é diferente. Como seu obreiro e testemunha, vou procurar fazer o
relato desde os primórdios da Psicanálise em nosso estado.
Belo Horizonte tornou-se capital de Minas Gerais no final do século
19 em substituição a Ouro Preto, cidade de importância nacional e internacional
pela sua história no movimento brasileiro pela independência de Portugal ─
liderado por idealistas e poetas que participaram da Inconfidência Mineira ─ e
por sua arquitetura barroca preservada.
A nova capital recebeu essa influência. Foi planejada com cuidado
e arte quanto às ruas, avenidas, praças e parques, tudo dentro de uma previsão
de crescimento.
Olavo Bilac visitou-a na época, descrevendo-a como
um lugar onde havia duzentas casas, clima bom por causa das montanhas vizinhas,
terra boa para plantação de frutas e propícia para ser projetada devido ao
traçado das cinco ruas existentes.
O crescimento foi singular. No seu centenário em
1997, já era a terceira cidade brasileira em população e seu traçado
ultrapassou os limites originais. Em todas as áreas de atividade, despontaram
nomes ilustres dentro do cenário nacional artístico, intelectual, científico,
político e econômico.
Em 1944, época da oficialização pela IPA da
primeira sociedade psicanalítica do Brasil, a Sociedade Brasileira de
Psicanálise de São Paulo (SBPSP), Belo Horizonte contava com estrutura
universitária qualificada: Faculdade de Medicina, Farmácia, Odontologia, Engenharia,
Arquitetura e Direito. Nessas instituições,
modelos de ensino superior, formaram-se inúmeros mineiros de destaque nacional
e internacional. A cidade possuía vida artística, cultural e científica ativa,
comparada com outras capitais brasileiras, apesar dos 47 anos de existência.
Havia uma imprensa dinâmica, com matérias sobre assuntos diversos, inclusive
Psicanálise.
Em busca de elementos para verificar o que havia
aqui nesta época no âmbito relacionado à ciência de Freud, procurei o Dr. Leão
Cabernite devido ao fato de ele ter residido aqui nessa época e militar na área
da Psiquiatria com interesse na Psicanálise.
Escreveu-me ele: “Em 1944 eu publicava artigos de
Psicanálise na Folha de Minas, jornal onde trabalhava enquanto
aluno da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Eu
redigia e publicava colunas semanais sobre o assunto no citado jornal. Ainda em
1945, no terceiro ano do curso (formei-me em 1948), decidi estudar alemão. Para
tanto, procurei Karl Weissmann. No intervalo das aulas, ele tocava no violino o
minueto de Boccherini e discutíamos Psicanálise. Era uma matéria nova,
inteiramente desconhecida do público e da maioria dos intelectuais. No entanto,
já se falava em ‘complexo’ e outras palavras do jargão psicanalítico. Weissmann
havia publicado, alguns meses antes, o livro com enfoque psicanalítico O
dinheiro na vida erótica. Ele enviou para Freud um exemplar e este lhe
enviou uma carta de agradecimento, carta essa que consta da biografia escrita
por Ernest Jones sobre a vida e a obra de Freud. Weissmann a exibia
triunfalmente para todos. O livro é um amontoado de fantasias do autor, somadas
aos enunciados teóricos de Freud. Foram estes os meus primeiros
contatos com a Psicanálise e as ideias do seu criador. Em 1949 Weissmann dava
cursos de hipnose para dentistas e correspondia com Werner Kemper, psicanalista
alemão didata da IPA, que estabeleceu moradia no Rio, convidado por médicos
daquela cidade para organizar e formar uma Associação de Psicanálise. Nesta
época, eu havia me formado e mudado para o Rio, onde morei até 1950, fazendo
estágio em Neurocirurgia, Psiquiatria e atendendo em ‘Psicanálise’. Era um
estágio, onde eu pesquisava desde Neuroanatomia patológica até indicações e
resultados da lobotomia de Muniz. Em Psicanálise, eu tinha poucos, mas
‘cooperadores’ clientes. Após o estágio, voltei para Belo Horizonte, continuei
no exercício da Psicanálise. Nesta ocasião, o Dr. Paulo Dias Correia, cunhado
de Weissmann, também a praticava. Isto aconteceu até 1954. Em
fevereiro desse ano, o Dr. Werner Kemper, então Presidente da Sociedade
Psicanalítica do Rio de Janeiro, decidiu fazer um passeio a Carinhanha, na
Bahia, saindo, em barco, de Pirapora. O trajeto era Rio–Belo
Horizonte–Pirapora–Bahia–Rio. Na época, Weissmann já era ‘'psicanalista’ da
Penitenciária de Neves. Quando o Dr. Kemper passou por Belo Horizonte,
Weissmann pediu-me que o recebesse em minha casa. Nesse encontro mencionei ao
Dr. Kemper meu desejo de fazer formação psicanalítica e ele me disse que o Dr.
Paulo Dias Corrêa havia feito o mesmo pedido. Ele só dispunha de uma vaga e
precisava tempo para optar. No dia seguinte fez sua opção pela minha pessoa. O
Dr. Paulo Dias não desanimou e mudou-se para São Paulo, onde fez sua formação.
Eu comecei a minha no Rio no mês seguinte, indo semanalmente lá para a análise
didática e para a formação teórica, até que em março de 1957, mudei-me
definitivamente. Terminei-a em dezembro de 1959. O Dr. Helio Pellegrino veio
depois e começou sua análise com Iracy Doyle”.
Nesse relato, eu destacaria os seguintes pontos:
1) Por intermédio de Karl Weissmann, Belo
Horizonte, na década de 1940, passa a ser conhecida de Freud. Há
correspondência maior de Freud com outro brasileiro, o Dr. Durval Marcondes, de
São Paulo (1928);
2) O Dr. Cabernite, ainda em formação, entre 1954 e
1957, foi o primeiro a realizar aqui um trabalho psicanalítico mais próximo do
referencial técnico e teórico da Psicanálise da IPA;
3) Há uma segunda fonte de informação proporcionada
pelo Dr. Joaquim Afonso Moretzsohn no livro A história da Psiquiatria
Mineira, que menciona o Dr. José Pedro Salomão como único psicanalista
de Belo Horizonte, naqueles idos de 1957. Há uma lacuna nesse livro do Dr.
Moretzsohn relacionada à omissão do trabalho anterior do Dr. Cabernite.
Muito antes, em 1951, o Dr. José Pedro Salomão
iniciou análise com o Dr. Cabernite, informado por outro colega, que lhe falou
dele e de seus artigos na Folha de Minas. Em 1957, quando o
Dr. Cabernite foi para o Rio em definitivo, o Dr. Salomão, ainda seu
analisando, era o único profissional médico que passou a praticar aqui um
trabalho psicanalítico com referencial IPA.
Ele era meu tio e o interesse pela Psicanálise
foi-me despertado pelas longas conversas que mantínhamos. Por coincidência,
meus estudos médicos começaram em 1957 e os terminei em 1963.
Em 1962, recebo uma solicitação do
Dr. Cabernite para assessorar o Dr. Maxwell Gitelson, então presidente da IPA,
que desejava conhecer Ouro Preto, a Dra. Helena Antipoff e pronunciar uma
palestra no Instituto de ensino Brasil-Estados Unidos. O Dr. Cabernite sabia
pelo Dr. Salomão que eu falava inglês e estudava Medicina. Passei dois dias com
o Dr. Maxwell e sua esposa, proporcionando o que ele desejava, acompanhado do
Dr. Salomão. Foi uma experiência pessoal rica. Ouvi o Dr. Maxwell discorrer
sobre o funcionamento dos mecanismos de projeção e de identificação projetiva
descritos por Klein, que eram considerados como desenvolvimentos recentes da
Psicanálise.
Este acontecimento teve a
singularidade de reforçar meu interesse pela Psicanálise e originou o ideal de
dotar Belo Horizonte de uma entidade com as referências da formação da IPA,
devido à excelência do trabalho teórico e clínico apresentado pelo Dr.
Gitelson. Eu, naquela época, já sabia desses referenciais pelo convívio com meu
tio.
Após minha formatura em dezembro de 1963, continuei
na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (FMUFMG) na
cadeira de Psiquiatria, como estagiário da mesma, sob a orientação do Dr. Hélio
Durães Alkmim, que a havia assumido recentemente.
O Dr. Helio Alkmim trabalhava com conceitos
psicanalíticos, devido à sua formação psiquiátrica nos Estados Unidos, onde fez
análise pessoal e trabalhou em clínica de orientação psicanalítica. Mas, na
verdade, quem continuava mais próximo da teoria da prática psicanalítica aqui
era o Dr. Salomão. Houve um momento em que o Dr. Cabernite lhe disse que estava
com tempo de análise pessoal para ingressar no Instituto de Formação da
Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, da qual o Dr. Leão já era psicanalista
didata. No entanto, para fazer a formação completa, teria que se mudar para o
Rio e problemas familiares o impediram.
De 1963 até 1993, todos os fatos ocorridos para a
oficialização do primeiro passo para o reconhecimento da SPMG, que era a
constituição do Núcleo Psicanalítico, foram de minha iniciativa e estão ligados
à minha iniciativa pessoal, quase sempre isolada. Foi longa – 30 anos –, por
vezes difícil e penosa, despojada de valores materiais, percorrida com a
compreensão e incentivo próximo, constante e afetuoso de minha mulher, de modo
especial, dos filhos e de alguns colegas, que irei mencionando no andamento
desta narrativa.
No ano de 1964, marquei um horário
com o Dr. Werner Kemper no Rio de Janeiro para tentar iniciar minha formação
psicanalítica. Nesse encontro, disse-me ele, que eu devia aguardar vaga para a
formação e recomendou que iniciasse análise pessoal com outro analista,
enquanto isto. Comecei-a, ficando no Rio de Janeiro por cinco dias seguidos
cada mês, quando fazia duas sessões diárias com o Dr. Walter Antunes. Eram as
análises ainda hoje chamadas de intermitentes.
No encontro com o Dr. Kemper,
comento com ele o início de um movimento aqui em Belo Horizonte, que se
denominava psicanalítico, dirigido pelo Padre Malomar Edelweiss, vindo da
cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Eu e mais alguns colegas fomos
convidados para nos analisar com ele. O Dr. Kemper disse-me que o conhecia.
Estava ligado ao Círculo Vienense de Psicologia Profunda, criado por Igor
Caruso. Conhecia alguns trabalhos desse autor e informou-me que os
parâmetros de formação eram diferentes daqueles da IPA, mas não fez referências
à formação profissional. Diante da informação, recusei o convite, talvez em
vista da minha história pessoal, até aquele momento envolvida com colegas da
IPA.
Acompanhei, desde o início, o
desenvolvimento do Círculo, admirado com a velocidade com que era implantado.
Essa, porém, é uma história que não sei relatar. Afinal, não me filiei a ele,
embora tivesse e continue tendo caros amigos pertencentes ao seu quadro
societário.
Mantive-me no meu isolamento.
Sustentavam-me duas frases de Freud, que foram esplêndidas e fundamentais
durante esse período e nos anos seguintes, até 1993. Quando Freud se viu em
meio a controvérsias e dissenções, no início de suas publicações, disse: “O
homem é forte enquanto defende uma ideia forte”. A outra é: “Quem sabe esperar
não necessita fazer concessões”.
Nesse ano de 1964, faço a primeira
tentativa de criar um Núcleo. Ponho em contato pessoal o Dr. Hélio Alkmim, como
relatei professor titular da cadeira de Psiquiatria da FMUFMG, também
interessado, com o Dr. Paulo Dias Corrêa, a esta altura morando no Rio e com
cargo na Diretoria da Associação Brasileira de Psicanálise (ABP). Ele
permanecia ligado a Belo Horizonte devido à sua tradição familiar. Por duas
vezes, fez conferências na FMUFMG, uma por convite meu e outra por convite de
seu irmão (professor da mesma), ambas concorridas. Em outra ocasião, ele
passava alguns dias de férias aqui, uma das quais coincidiu com a data na qual
o Padre Malomar ia fazer uma palestra sobre Psicanálise na Associação Médica de
Minas Gerais. Fez-se presente, como eu, e, após a palestra, houve um atritado
debate entre os dois, no qual contestou, com a veemência que lhe era própria,
afirmações conceituais e de formação psicanalítica ditas pelo Dr. Malomar. Hoje,
considero que foi um desgaste desnecessário, porque os colegas de Belo
Horizonte demandavam uma formação psicanalítica, e a escola de Psicologia
Profunda satisfazia a essa necessidade. A Psicanálise sempre teve algo de
religioso. Não havia o que questionar.
O Dr. Paulo e o Dr. Hélio Alkmim
esboçaram um projeto inicial. O Dr. Paulo retornaria a Belo Horizonte como
professor de Psiquiatria da FMUFMG e iniciaria a análise pessoal de cinco
colegas já escolhidos, incluindo-me. Tudo corria bem, até que houve um mal
entendido: o Dr. Hélio se aborreceu e o projeto se desfez. Foi uma primeira
tentativa fracassada.
Esse grupo de colegas não desanimou.
Dirigimos-nos ao Rio para conversar com ele. Fomos recebidos pelo Dr. Paulo, que
nos encaminhou ao Dr. Cabernite, então pessoa representativa da Psicanálise
brasileira. Esse nos acolheu e prontificou-se a nos apoiar. Alertou-nos,
contudo, que devido à grande demanda na época por psicanalistas didatas no
Brasil, nada poderia ser feito em curto espaço de tempo. De fato, nos anos de
1965, 1966 e 1967, não ocorreram fatos adicionais.
Em 1968, volto a me encontrar com o
Dr. Paulo Dias para conversarmos sobre um sobrinho seu, em tratamento comigo.
Falamos de novo sobre o projeto do Núcleo. Ele me pede para formalizar em carta
um pedido meu à ABP. Assim, eu fiz.
Em 8 de março deste ano, eu e
alguns colegas da Faculdade enviamos uma carta ao Dr. Mário Martins,
psicanalista gaúcho, devido à sua influência na Psicanálise do Rio Grande do
Sul, forte reduto da especialidade e de estreitas relações com Argentina e
Uruguai. A resposta foi a mesma de antes: havia dificuldade em encontrar
psicanalistas didatas disponíveis no Brasil. Orientou-nos para entrar em contato
com o Dr. Paulo Grimaldi, colega do Rio, que estava terminando sua formação em
Buenos Aires e pensava em retornar ao Brasil. Fizemos contato com ele, mas sua
resposta foi negativa, porque havia assumido compromissos no Rio.
Ainda em 1968, fui ao Rio de
Janeiro participar da II Jornada Brasileira de Psicanálise. Foi uma situação
constrangedora. A participação no evento era fechada para membros e candidatos
da ABP. Apresentei-me ao Dr. Cabernite, que ficou embaraçado, mas conseguiu
permissão da comissão organizadora para que eu pudesse participar.
Neste mesmo ano, seguindo recomendações do Dr.
Paulo Grimaldi, entro em contato com o Dr. Jorge Mon, Presidente da Associação
Psicanalítica Argentina, convidando um psicanalista didata argentino
para radicar-se aqui. Lá havia muito mais analistas didatas do que no Brasil.
Procurei o Dr. Paulo Neves de Carvalho, pessoa conhecida minha, então
Secretário de Educação do Estado de Minas Gerais, para pedir-lhe uma participação
direta e do Dr. José de Magalhães Pinto, Ministro da Justiça na época. Consegui
que houvesse uma correspondência do Dr. Magalhães Pinto com o Dr. Jorge Mon,
mas tudo sem êxito.
Naquele ano, aconteceu um fato
importante. Com participação de alguns colegas, constituímos a Sociedade
Mineira de Psicoterapia Analítica de Grupo (SMPG), tendo como Presidente o Dr.
Bernardo Blay Neto e eu como o primeiro secretário. O Dr. Blay Neto, psicanalista
de São Paulo, era membro importante da Associação Brasileira de Psicoterapia de
Grupo com formação psicanalítica em São Paulo. Havia encontros mensais, quando
aconteciam sessões de análise pessoal em grupo, seguida de curso teórico para
formação de terapeutas de grupo. Éramos dez colegas entre médicos e psicológos.
Encerrei minha análise no Rio, a qual fazia desde 1964, para aderir a esse
grupo. Durante dois anos, o Dr. Blay veio mensalmente a Belo Horizonte. Quando
finalizou seu trabalho, eu e alguns colegas continuamos em análise e supervisão
com ele, indo a São Paulo, porém agora de forma individual. Para mim, foi uma
inesquecível experiência pessoal e profissional.
No início de 1970, convido o Dr.
Walderedo Ismael de Oliveira, influente psicanalista do Rio, convidado oficial do
I Congresso Mineiro de Psiquiatria, para realizar uma jornada da SMPG durante o
mesmo. Infelizmente, não conseguimos efetivar o evento.
Nesta época, eu era o Coordenador
da Disciplina de Psiquiatria da FMUFMG e promovi vários encontros científicos,
trazendo a Belo Horizonte psicanalistas relevantes do cenário brasileiro,
tentando sensibilizá-los para auxiliar na fundação do Núcleo e mobilizar
interessados daqui para participar do movimento.
Tentei, ainda, sensibilizar o
Reitor da UFMG para contratar um psicanalista didata com o fim de dinamizar a
Disciplina de Psiquiatria da FMUFMG. Houve correspondência direta entre a
Reitoria, a ABP e a Dra. Virgínia Bicudo, então Diretora do Instituto de
Ensino de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise e São Paulo
(SBPSP). Novamente estes contatos não deram em nada.
Em 1972, surge uma oportunidade
concreta. Tenho contatos com o Dr. Hernan Davanzo, psicanalista didata da
Sociedade Psicanalítica do Chile, que trabalhava em Ribeirão Preto, São Paulo,
onde morava com a mulher e duas filhas. Veio para o Brasil devido ao governo de
Salvador Allende no Chile, ao qual se opunha. O Dr. Davanzo era membro ativo da
Organização Pan-Americana de Saúde, que mantinha um programa denominado
Laboratório de Relações Humanas para Faculdades de Medicina. O objetivo deste
trabalho era despertar os participantes para ação de elementos subjetivos
nas decisões administrativas, ações dos docentes e da cúpula universitária. O
Laboratório durava 15 dias, em tempo integral, com a participação de 30
docentes. Consegui viabilizar a realização do mesmo com grande repercussão na
comunidade universitária docente. Esse Laboratório foi exitoso pela competência
do Dr. Davanzo e projetou o Departamento de Psiquiatria e Neurologia da FMUFMG,
do qual eu era chefe na época, no âmbito da Faculdade e da Reitoria. Cogitei e
consegui, em tempo recorde, a contratação do Dr. Davanzo pela Reitoria da UFMG
e a concordância da Diretoria da SBPSP aceitasse a filiação do Núcleo por meio
da Dra. Virginia Bicudo. Seis colegas interessaram-se pela formação analítica.
Quando tudo parecia acertado, ocorreu o golpe militar no Chile pelo General
Pinochet, e o governo chileno empenhou-se em trazer de volta seus filhos
profissionais para reerguerem o país. O patriotismo falou mais alto no coração
do Dr. Davanzo e perdemos a possibilidade mais concreta que tivemos até então.
Em 1972/1973, e mesmo antes, eu era
procurado por recém formados da minha faculdade, em busca de orientação para
residência de Psiquiatria e para formação psicanalítica, pelo meu cargo de
professor na Faculdade. Encaminhei vários candidatos para o Rio de Janeiro e o
Rio Grande do Sul. Muitos tornaram-se psicanalistas e, hoje, são membros
destacados da Psicanálise brasileira.
Comecei a me convencer de que
também deveria buscar minha formação psicanalítica. Ainda em análise com o Dr.
Blay Neto em São Paulo, procurei a Dra. Virgínia Bicudo, Diretora do
Instituto de Ensino da Psicanálise da SBPSP, e ela me falou de seu trabalho em
Brasília, aonde ia nos finais de semana para análise de candidatos, dizendo que
eu poderia fazer minha formação por lá.
Depois de aprovado nos testes de
seleção, comecei minha análise didática com ela em agosto de 1975, indo
semanalmente a Brasília nos fins de semana, mas não deixei de continuar meus
contatos com outros psicanalistas brasileiros.
No início de setembro, escrevo ao
Prof. Darcy Mendonça Uchoa, eminente psiquiatra, professor universitário e
psicanalista da SBPSP, para juntos propormos ao Ministério da Educação um
programa de bolsas para facilitar a formação analítica de candidatos de outras
cidades que não Rio, São Paulo e Porto Alegre, mediante ajuda financeira,
principalmente para seus docentes. Ele não levou a sério essa ideia e a
abandonou, embora eu a julgasse procedente.
Naquele ano, compareci ao II
Congresso Brasileiro de Psicanálise em Porto Alegre, como candidato, e mantive
correspondência amiga com os Drs. Blay Neto, Paulo Dias e Davanzo.
No segundo semestre de 1976, o Dr.
Carlos David Segres, membro associado da SBPSP, telefonou-me, falando de seu interesse
em trabalhar em Belo Horizonrw nos fins de semana. Oficializamos um curso na
FMUFMG sobre Fundamentos da Psicanálise, que ele ministrou às sextas-feiras, à
noite, com ótima audiência. Encaminhei-lhe vários analisandos para atendimento
na sexta-feira e no sábado, dentre os quais três psiquiatras. Frequentemente,
tínhamos encontro nas tardes de sábado, quando eu chegava de Brasília antes dele
voltar para São Paulo. Seu trabalho aqui durou cerca de dois anos. Foi o
segundo psicanalista da IPA a exercer um trabalho clínico aqui. O primeiro foi
o Dr. Blay Neto, embora em Psicoterapia de Grupo.
Ainda nesse ano, escrevo ao Dr.
Mário Martins, então presidente da ABP, renovando meu pedido. Em dezembro de
1976, recebo carta do Dr. Gecel Luzer Sterling, então presidente da SBPSP,
dizendo-me que fora contatado pelo Dr. Mário Martins e estava vendo como
poderia atender Belo Horizonte, mas ficou na boa vontade.
Em novembro de 1977, volto a
escrever para a ABP, agora sob a presidência do Dr. Laertes Moura Ferrão. Em 4
de agosto de 1978, recebo resposta da ABP, por intermédio do Dr. Carlos H. P.
Afonso, informando-me que minha carta havia sido debatida na reunião da ABP, no
início de janeiro desse mesmo ano, e que ficou decidido que qualquer Sociedade
estava franqueada para atender ao pedido. Depois, não recebi nenhuma
comunicação. Isto é, a história se repetia: não havia
disponibilidade de analistas didatas.
Os anos
de 1979/1980/1981 e o início de 1982 foram vazios de articulação. Em dezembro
de 1982, interrompi minha análise com a Dra. Virgínia e minha formação por
São Paulo, a qual retomei em março de 1983 pela Sociedade
Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ). Pesou nessa decisão a maior
proximidade do Rio e alguns contatos antigos meus naquela cidade, que poderiam
facilitar a criação do Núcleo daqui.
Nessa época, vim a conhecer o Dr.
Victor Manoel de Andrade, com quem fiz minha primeira supervisão, e o Dr.
Sérgio Khedy, então candidato como eu e analisando dele. Esse fato
aproximou-nos e comecei a convidá-lo, em tom de brincadeira, para morar aqui,
após o término de sua formação.
Concluí meu curso em junho de 1986,
nove anos após iniciá-lo em Brasília. Meu nome foi homologado como Membro
Associado da SPRJ, título longamente buscado. Daí até 1988, apresentei os
trabalhos na Sociedade para minha titulação como Membro Efetivo da mesma e
Docente do seu Instintuto. Depois de aprovado, estava certo de que o Núcleo
Psicanalítico de Belo Horizonte (NPBH) dependia diretamente da minha
titulação a didata.
Em janeiro de 1988, ocorre um fato
importantíssimo. Sou contatado pelo Dr. Sérgio Khedy, informando-me do fim de
sua formação e do desejo de radicar-se aqui. Organizamos sua vinda,
inicialmente, nos fins de semana. Fiz várias indicações de pacientes, e sua
clínica foi gradativamente aumentando, com pacientes que lhe encaminhava, até
que acabou se mudando. Sobre essa transferência, escreveu o trabalho O
analista que se muda. Sua companhia, juventude e temperamento
extrovertido foram fundamentais para fortalecer meu ideal do Núcleo, que
compartilhou comigo.
Em
1989, ocorrem outros fatos importantes. No mês de junho, acontece minha
homologação como Membro Efetivo da Sociedade e Docente do Instituto de Ensino
(IEP) da SPRJ. Consta da ata dessa Assembleia da SPRJ, pela primeira vez,
e oficialmente, a questão do NPBH, por meio da fala do Dr. José Isaac Nigri,
como segue: “Dr. Nigri informa que o Dr. Sebastião Abrão Salim não poderá vir
hoje por doença na família e que está se candidatando a didata para formar um
Núcleo em Belo Horizonte. O Dr. Izai comenta que o Dr. Salim tem um grupo de
estudos”.
Outro fato decisivo nesse ano foi a
adesão, em abril, do Dr. Flávio Neves. Era um profissional muito prestigiado na
Psiquiatria mineira, principalmente dentro do Círculo Psicanalítico de Minas
Gerais, ao qual estava filiado. Nessa época, ocorriam modificações estruturais
com o Círculo, com as quais ele não concordava. Um dia, solicitou um encontro
comigo para falar de suas demandas de formação pela IPA, devido ao aprendizado
que desenvolveu com renomados psicanalistas do exterior. Encontramo-nos e eu
lhe disse que eu iria, provavelmente em junho de 1990, para didata. Coloquei-me
à disposição para o que desejasse. Em seguida, ele conhece o Dr. Sérgio, de
quem passa a ser amigo. Encaminhou vários candidatos para formação, e ele
mesmo, ao entrar em formação analítica, constituiu-se em valioso representante
nosso dentro da SPRJ, com excelente produção científica.
De
fato, em junho de 1990, obtive a titulação de Psicanalista Didata da SPRJ, mais
ansiada do que a de Membro Associado e Docente. Tal título qualificava-me mais
dentro da Sociedade, com autorização para analisar candidatos a formação.
O que era embrionário começou a se
organizar e desenvolver com minha presença, do Dr. Sérgio, do Dr. Flávio e
de alguns possíveis candidatos a formação. Nesse ano, veio juntar-se a nós
a Dra. Clemilda Barbosa de Souza, outra psicanalista didata da SPRJ,
inicialmente nos finais de semana, atendendo outros analisandos que lhe foram
encaminhados e com propostas de formação. Ela possuía experiência na
implantação dos Núcleos de Recife e de Campo Grande, fato que fortaleceu nosso
propósito.
O Dr. Sérgio foi preenchendo os
requisitos para analista didata e, ao completar essa etapa, estávamos aptos
institucionalmente para requerer à SPRJ nosso pedido de oficialização do NPBH,
que exigia a existência de três analistas didatas morando na cidade. No Rio,
contávamos abertamente com o apoio do Dr. José Izaac Nigri e do Dr. Nilo Ramos
de Assis, respectivamente Presidente da SPRJ e Diretor do Instituto de Ensino.
Ambos já estavam em fins de mandato e, por solicitação do novo candidato à
Presidência, Dr. Ramón Fandiño, concordamos em remeter o pedido oficial para
filiação do Núcleo junto à SPRJ no dia de sua posse, em 15 de janeiro de 1991.
Assim o fizemos, mas desta data em diante, houve um
silêncio, quebrado em maio de 1991, durante a realização do XIII Congresso
Brasileiro de Psicanálise em São Paulo. Naquela ocasião, eu e o Dr. Sérgio
conversamos pessoalmente com o Dr. Ramón e com a Dra. Léa Lengruber, Presidente
e Diretora do Instituto da SPRJ. Parecia-nos que algo estranho estava
acontecendo para explicar aquele silêncio, mas não nos foram dadas explicações.
Apenas foram feitas exigências a mim e ao Dr. Sérgio. Deveríamos custear a
divulgação das inscrições de candidatos à seleção, passagens aéreas e estadia
dos analistas incumbidos da mesma, condições com as quais concordamos, mas
ficou-nos a impressão de que não era só isso. Nesse Congresso, estava presente
o Dr. Horacio Etchegoyen, candidato à Presidência da IPA. Procurei-o e
conversei longamente sobre nossa situação. Ele hipotecou seu apoio para
interceder junto à SPRJ para sanar dificuldades.
Em junho, no dia 4, em circular aos
membros docentes da SPRJ, constava da pauta da reunião no seu item 2 “A
abertura de inscrições para a formação do futuro Núcleo de Belo Horizonte”. Foi
sugerido que se fizesse a divulgação aqui e a avaliação de quantas pessoas se
inscreveriam e, depois, viesse um didata para uma reunião com os
mesmos.
Em 15 de julho de 1991, recebo
correspondência da Dra. Léa, comunicando-me os passos a serem dados e o
conteúdo da circular de divulgação. Segui os ordenamentos e, com a ajuda da
Dra. Jannê de Oliveira Campos, fizemos a divulgação. Vinte pessoas contataram
com a Secretaria do IEP da SPRJ. Finalmente, em 23 de novembro de 1991, ela vem
a Belo Horizonte, e realizou-se no Hospital Galba Veloso, a reunião com ela e
os interessados, em número aproximado de 38 pessoas. Os interessados deveriam
fazer contato com a SPRJ no Rio de Janeiro a fim de se inscreverem para
seleção. Quando a deixei no aeroporto de Confins, no seu retorno, fiquei com a
impressão de houvera uma reunião proveitosa, embora marcada por vários
desencontros e atrasos inesperados, desnecessários e evitáveis.
Em 6 de janeiro de 1992, recebo carta
da mesma, confirmando minha impressão sobre a reunião, dizendo-se motivada com
o interesse dos postulantes ─ havendo 13 interessados com 2 anos de experiência
terapêutica ─ e comunicando que, em março, viria uma comissão do Instituto para
o trabalho de seleção oficial.
A essa altura, havíamos formulado a
ela nossa preferência pelo Dr. Victor Manoel de Andrade para Coordenador do
Núcleo. Neste mesmo dia, recebo outra comunicação de um colega, na qual me
informava que no dia seguinte haveria reunião do Corpo Docente do Instituto de
Ensino da Psicanálise da SPRJ para aprovação da constituição do Núcleo, fato
que não me foi revelado oficialmente por correspondência.
Às 19h30min do dia 7 de janeiro de
1992, eu estava na Sociedade. Ao chegar, fui abordado por uma colega que tentou
me convencer de que não seria propício eu enfatizar na reunião o pedido de
oficialização do Núcleo. Interpretei aquilo como uma resistência de natureza
política dentro do IEP, embora achasse absurdo esse critério para lidar com
iniciativas de ordem científica. Tal pensamento me fortaleceu e ansiei pela
chegada do Dr. Victor Manoel de Andrade. Este, finalmente, chegou e eu lhe
disse sobre meu propósito de pedir a oficialização e de sua indicação para
Coordenador. No seu habitual acolhimento e simplicidade, ele concordou.
Esta reunião transcorreu num clima
tenso, diante da existência das oposições que eu intuíra, embora nunca me
certificasse dos motivos. Fiz uma exposição dos fatos mencionados neste
trabalho, da minha incessante jornada e dos elementos concretos que tínhamos
para início do Núcleo, já com turma de formação, fato relativamente
inédito na Psicanálise brasileira. Entre os docentes, encontravam-se antigos
alunos da Faculdade, orientados por mim para formação na SPRJ, e muitos colegas
que reconheciam nossos propósitos. Pedi a oficialização e aprovação do
Coordenador para o Núcleo e, finalmente, a razão prevaleceu.
O Núcleo foi oficializado e o Dr.
Nilo Ramos de Assis apresentou o Dr. Victor como candidato a Coordenador, que
recebeu aprovação unânime. No final, mais algumas palavras, e saí apressado
para pegar o ônibus de volta a Belo Horizonte. Finalmente, havia concretizado
meu ideal: oficializar uma entidade científica psicanalítica de acordo com as
referências da IPA. Estava feliz também pela aprovação do Dr. Victor para
coordená-lo, com sua amizade, seu afeto e sua respeitável bagagem científica e
institucional. De fato, ele dedicou despojadamente seu tempo com vindas a Belo
Horizonte para fazer um trabalho exemplar de como se constitui um Núcleo
psicanalítico, elaborando seu estatuto e nos orientando em termos do seu
fortalecimento.
Em 21 de maio de 1993, realizamos a
sessão de oficialização do NPBH com a presença de representantes da ABP, SPRJ e
da Dra. Maria Manhães, que pronunciou a primeira aula do curso de formação de
psicanalistas.
Este
resumo mostra que o Núcleo foi produto de um trabalho meu incessante,
continuado, por muito tempo solitário. Agora, alcançado esse patamar de
parcerias e organização, outros desenvolvimentos iriam acontecer, sempre
voltados para auxiliar os pacientes que demandam tratamento psicanalítico.
A Psicanálise jamais poderá deixar de priorizar seu
eixo clínico e de pesquisa. É uma ciência em evolução e formação continuada,
como deve suceder com todos os psicanalistas. Todos os fatos citados neste
trabalho estão comprovados por documentos em meu poder.
Após 15 anos de atividades, houve um
crescimento palpável do NPBH. Nesse período, formamos duas turmas de
psicanalistas em número de oito e consolidamos nossa estrutura de ensino e
pesquisa com mais três psicanalistas de São Paulo e dois do Rio de Janeiro. Uma
terceira turma de dez candidatos começou a formação em agosto de 2008.
Em setembro de 2008, recebemos o
registro da IPA de Grupo de Estudos Psicanalíticos de Minas Gerais (GEPMG). Emancipamo-nos
da Coordenação da SPRJ e passamos a funcionar diretamente ligados à
IPA, com Diretoria e Instituto de Psicanálise autônomos, orientados por dois
analistas indicados pela IPA.
Em julho de 2015 nosso GEPMG
foi promovido a Sociedade Psicanalítica Provisória com o nome de Sociedade Psicanalítica
de Minas Gerais, durante o Congresso Internacional da Associação Psicanalítica
Internacional, realizado em Chicago, USA.
Todas estas etapas foram longas e demandaram um
trabalho artesanal e a fidelidade ao ideal do início de 1963, isto é, dotar Minas
Gerais de uma instituição de formação de psicanalistas dentro dos critérios da
IPA a serviço da comunidade mineira.